SOBRE: “AQUILO QUE BASTA...”, da colunista Rosanna Pavesi.
Para comentar o tema, vou começar relatando uma pequena história popular, conhecida como o conto da vaquinha...
A Vaquinha: “Era uma vez um sábio chinês e seu discípulo. Em suas andanças, avistaram um casebre de extrema pobreza, onde viviam um homem, uma mulher, três filhos pequenos e uma vaquinha magra e cansada. Com fome e sede, o sábio e o discípulo pediram abrigo e foram atendidos. O sábio perguntou como conseguiam sobreviver em tamanha pobreza e longe de tudo.
“O senhor vê aquela vaca?”- disse o homem – “dela tiramos todo o sustento. Ela nos dá leite, que bebemos e transformamos em queijo e coalhada. Quando sobra, vamos à cidade e trocamos por outros alimentos. É assim que vivemos”. O sábio agradeceu e partiu com o discípulo. Nem bem fizeram a primeira curva, o sábio disse ao discípulo: “Volte lá, pegue a vaquinha, leve-a ao precipício ali em frente e atire-a lá embaixo”. O discípulo não acreditou... “Mestre”- disse ele – “eu não posso fazer isso! Como pode ser tão ingrato? A vaquinha é tudo que eles têm. Se a vaca morrer, eles morrem!”. O sábio, como convém aos sábios chineses, respirou fundo e repetiu a ordem. Indignado, porém resignado, o discípulo então voltou lá, pegou a vaquinha e a empurrou no precipício; a vaca, previsivelmente, estatelou-se lá embaixo.
Alguns anos se passaram e o discípulo sempre com remorso... Num certo dia, moído pela culpa, o discípulo abandonou o sábio e decidiu voltar àquele lugar para pedir desculpas e ajudar a família. Ao fazer a curva, não acreditou no que seus olhos viram! No lugar do casebre desmazelado havia um sitio maravilhoso, com arvores, piscina, carro, antena parabólica e outros sinais de prosperidade. Perto de uma churrasqueira havia adolescentes lindos, robustos e saudáveis comemorando alguma data especial. O coração do discípulo tremeu... Ele pensou: de certo, vencidos pela fome, os antigos moradores foram obrigados a vender a posse e ir embora. Devem estar mendigando na rua...
Aproximou-se do caseiro e perguntou se ele sabia o paradeiro da família que havia morado lá. “Claro que sei. Você está olhando para ela”, respondeu o caseiro. Incrédulo, o discípulo afastou o portão, deu alguns passos e reconheceu o mesmo homem de antes, só que mais forte, altivo, a mulher mais feliz e as crianças agora jovens saudáveis. Espantado, dirigiu-se ao homem e disse: “Mas o que aconteceu? Estive aqui com meu mestre alguns anos atrás e este era um lugar miserável, não havia nada. O que o senhor fez para melhorar de vida em tão pouco tempo?”. O homem olhou para o discípulo, sorriu e respondeu: “Nós tínhamos uma vaquinha, de onde tirávamos o nosso sustento. Era tudo o que possuíamos, mas um dia ela caiu no precipício e morreu... Para sobreviver, tivemos que fazer outras coisas, desenvolver habilidades que nem sabíamos possuir. E foi assim, buscando novas soluções, que hoje estamos muito melhor que antes!”.
Moral da história: às vezes, é preciso “a vaca ir pro brejo” – tanto literalmente como metaforicamente – perder tudo para ganhar mais adiante. É a necessidade que nos obriga a sermos criativos e a encontrarmos soluções para os problemas e impasses da vida. Muitas vezes, é preciso sair da acomodação, parar de “segurar a vaquinha pelo rabo para ela não cair no precipício”, buscar novos caminhos e trabalhar com amor e determinação.
O que vem a ser a “vaquinha” em cada um de nós?
A “vaquinha” pode ser um paradigma mental arraigado, uma falsa crença, uma atitude equivocada, um padrão automático de resposta que nos leve a privilegiar “o seguro”- mesmo que não baste - ou “o certo” - mesmo que não seja nem o suficiente, nem o desejável - sem questionar, por acreditarmos que, no fundo, não temos escolha. Certa aceitação conformada, uma falsa humildade, um excesso de bom senso ou conservadorismo que pode vir a afetar diversas esferas da vida e que se dissimula atrás de reflexões do tipo: “não o amo, mas é um bom homem..., ou “este emprego paga mal, mas é seguro...”, ou ainda “não é aquilo que gostaria de fazer, mas paga bem...”, e assim por diante. Se nos permitirmos parar por um instante e pensar sobre o assunto, é quase certo que cada um nos saberá reconhecer sua “vaquinha”... Eu tinha muitas “vaquinhas” que, ao longo do tempo, fui jogando no brejo... Qual é a sua?
“E é sempre melhor o impreciso que embala, do que o certo que basta.
Porque o que basta, acaba onde basta. E onde acaba, não basta.
E nada que se pareça com isto devia ser o sentido da vida.”
(Fernando Pessoa)
Até...
Rosanna Pavesi
Psicóloga Clinica e Psicoterapeuta
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